but Heaven is where Hell is..

domingo, 9 de janeiro de 2011

Uma história sem sujeito.

"depois de uma viagem para uma cidade que já foi a sua, chega a hora do almoço. Chega também a sua boleia e arrancam, sem saber para onde estão a ir, mas também sem fazer perguntas. O caminho parece-lhe familiar, mas já não se recorda de onde o reconhece, pois já faz algum tempo que não passava ali.
Enquanto lê uma revista qualquer, espalhada pela carrinha, não liga mais ao caminho ou onde está, apenas se concentra em ler um qualquer artigo nessa tal qualquer revista.
Sem saber porquê, a cabeça diz-lhe para olhar em frente. E assim faz, olha em frente. Olha em frente e depara-se com um lugar outrora conhecido, agora recordado. 
Desce a avenida e olha em frente, para o lugar que também já foi seu, por mais do que uma vez. Lugar esse que lhe traz velhas e inocentes memórias, do tempo em que a adolescência encorajava a abandonar a sua terra por um dia, para ir. Ir e ao final do dia vir. Vir e não querer.
Abandonam essa rua, viram à direita, e entram no restaurante, não podendo olhar mais para o lugar que também já foi seu. Apesar de não poder olhar, consegue vê-lo. E vê-o com os seus olhos, munidos da recordação.
Pede para que o almoço acabe rápido e sai da mesa, sai do restaurante, e vai em direcção ao lugar que também já foi seu.
Passado o jardim, salta o pequeno muro e entra no nevoeiro que se faz sentir numa qualquer tarde de Dezembro.
A vontade diz-lhe para tirar as sapatilhas, sujas, mas já não é adolescente e a razão fala mais alto. Anda uns metros, tropeçando uma e outra vez e senta-se. Senta-se na areia, no lugar que também já foi seu.
Sentado, desaperta o casaco, levanta ligeiramente a cabeça, como que a saudar o sol tímido que se esconde por trás das nuvens, aprecia o mar uma última vez, fecha os olhos e olha em frente.
E vê tudo o que se passou naquele lugar que também já foi seu.
A recordação é trazida pelo vento que vem, mantida pelo nevoeiro que fica e levada pelo vento que vai.
Permanece ali, na areia moldada ao seu corpo, a viver. Ou melhor, a reviver. E ali fica, não sabe quanto tempo, mas sabe que está na hora de abandonar o lugar que também já foi seu e voltar para junto dos seus, que esperam no restaurante.
Levanta-se e caminha, tropeçando ainda mais vezes do que antes. Talvez por serem as pernas a dizer-lhe para que não vá, para que não abandone o lugar que também já foi seu.
Chega ao fim da areia, senta-se no pequeno muro que dá para o passeio de pedra e olha uma última vez para o lugar que também já foi seu. 
E ali fica."


Tristan La Cienega

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